A inserção anterior apresentou um panorama crítico e algo
pessimista sobre este instrumento de gerenciamento de recursos hídricos. Nesta
postagem serão realizadas algumas reflexões
e propostas de abordagem que poderão resolver parte dos impasses observados.
Sobre a viabilidade de mecanismos econômicos incitativos
O ideal econômico de que a cobrança pelo uso de água possa
ser uma forma de incentivo para a redução do uso de água, seja por meio de
captação e consumo, seja por meio de lançamento de efluentes no meio hídrico,
não se aplica no Brasil. Os valores de cobrança têm sido resultados de
consensos que são alcançados em negociações que envolvem os membros dos
comitês: governo, sociedade e usuários de água. E esses consensos são obtidos
com valores que pouco afetam o equilíbrio econômico e o fluxo financeiro dos
usuários de água, facilitando suas aprovações. Ou seja, parte-se nesses dois
sistemas, explícita ou contingencialmente, que a cobrança não pode impactar o
usuário de água. Algumas considerações sobre as razões desta situação e como
superá-la serão a seguir apresentadas.
É possível um colegiado de usuários consensuar valores incitativos de cobrança?
Esta parece ser uma questão fundamental: seria possível em
um colegiado do qual participem os usuários-pagadores de água serem
consensuados valores incitativos de cobrança? Obviamente, os usuários de água
não aprovariam valores de cobrança que os incitem ou, melhor dizendo, que os
obriguem, por meio de impactos econômico e financeiro, a alterarem seus usos de
água, para reduzirem tais impactos. Possivelmente, eles estariam mais propensos
a aprovar mecanismos voluntários[1] de redução do uso de água,
sem que a ameaça de uma cobrança realmente impactante pairasse sobre suas
cabeças. Isto por pelo menos duas razões: por um lado, a baixa disposição a
aprovar restrições à própria atividade econômica; por outro lado, a dificuldade
de uma ação solidária em um ambiente econômico competitivo, gera receios quanto
à possibilidade de que o pagamento realizado possa ser aplicado nas atividades
de outros agentes, mesmo que sendo respaldado por um plano de bacia aprovado pelo
respectivo do comitê.
Alternativa: imposição de valores incitativos de cobrança por maioria de votos no Comitê de Bacia Hidrográfica
A aprovação de mecanismos econômicos incitativos em
colegiados dos quais participem usuários-pagadores de água parece ser possível
apenas nos casos em que o governo e sociedade formem uma aliança e imponham,
por maioria de votos, esta situação aos usuários de água. Porém, este tipo de
aliança apresenta certa fragilidade: muitos representantes da sociedade
entenderiam que a cobrança incitativa acabaria por afetar o custo dos produtos
que consomem, para os quais a água entra como insumo. E muitos setores
governamentais acabariam mais propensos a se aliarem aos argumentos do poder
econômico dos usuários de água – vale dizer, indústrias, empresas de
saneamento, irrigantes, etc. – do que a organizações da sociedade.
Diante disto, não causa surpresa que na França, após quase
50 anos de implantação do sistema, os valores cobrados careçam do poder
incitativo. E tudo indica que no Brasil, nada diferente ocorrerá. O que se
verifica em exemplos de cobrança realmente incitativa pelo uso de água, como na
Alemanha e nos Países Baixos, é que ela é decidida pelo poder legislativo,
colegiado nos quais interesses mais amplos da sociedade, envolvendo futuras
gerações, podem ser, aparentemente, melhor considerados.
Metas socialmente compartilhadas como incentivo ao aumento da cobrança
Neste aspecto cabe uma expectativa: que a prática atualmente
adotada nos comitês das bacias hidrográficas onde a cobrança foi implantada,
voltada a fixar um valor a ser cobrado tendo por base basicamente o baixo
impacto nos usuários, possa ser substituída pela prática mais afeta ao exemplo
francês, de estimar os investimentos necessários para melhorias na bacia e fixar
a cobrança tendo eles por referencial. Parece mais aceitável que tendo esses
investimentos por referência, e o impacto nos usuários como uma análise
realizada em um segundo momento, seja possível atingir-se um espírito de
solidariedade na bacia no qual valores de cobrança possam, em primeiro lugar,
sustentar programas de recuperação ambiental na bacia e apenas em um segundo
momento sejam considerados os impactos nos usuários. Em outras palavras, se o
único referencial for o baixo impacto da cobrança não existem motivos para a
expectativa de que o valor arrecadado seja significativo face às demandas de
investimento.
Mesmo nesta situação, porém, que é estimulada por uma meta
socialmente compartilhada a ser alcançada, como as melhorias na bacia, cabe
alguma dúvida a respeito de sua funcionalidade para tornar a cobrança pelo uso
da água relevante na engenharia financeira dos investimentos na bacia. Parte
significativa dos usuários de água de uma bacia a usa como fator de produção e
não bem de consumo. Portanto, uma melhoria das condições da bacia apenas
afetaria favoravelmente esses usuários caso fossem melhoradas as condições de
oferta do fator de produção água, em qualidade ou quantidade. Em pelo menos
duas situações este atributo poderia não valer:
1.
Nos casos que o principal fator de produção
utilizado fosse a destinação final de resíduos nas águas, as melhorias na bacia
em nada afetariam esses usuários. A não ser que políticas rígidas de controle
de poluição fossem adotadas, limitando severamente os lançamentos à capacidade
dos corpos hídricos assimilarem resíduos. Nesse caso, instrumentos de
comando-e-controle, como a outorga de lançamentos, deveriam ser aplicados de
forma rigorosa para incitar os usuários afetados a aceitarem valores de
cobrança que permitam acréscimos nos seus lançamentos.
2.
Outro caso ocorreria quando o fator de produção
utilizado é água em quantidade, não havendo exigências sobre sua qualidade.
Isto poderia ocorrer em casos de refrigeração de caldeiras ou em hidrelétricas.
Esses usuários não estariam motivados a serem impactados pela cobrança que
permitisse a melhoria de qualidade de água, pois para eles água em qualidade
não constitui um fator de produção. Apenas nos casos em que a água se tornasse
escassa em quantidade eles estariam propensos a serem onerados
significativamente para que fossem promovidos os investimentos voltados ao
aumento das disponibilidades.
Alternativas: uso conjunto de cobrança e subsídios, e instrumentos comando-e-controle
A experiência francesa demonstra as vantagens de um
mecanismo de cobrança - mesmo pouco incitativo, mas com valores superiores aos
adotados no Brasil - associado a um mecanismo de subsídios: os investimentos
necessários para diminuir a poluição são facilitados pelos financiamentos a
fundo perdido ou empréstimos sem juros das agências. Isto facilitou a aceitação
do sistema de cobrança por alguns setores, como o de saneamento, que de uma
posição contrária ao pagamento pelo uso da água, passou a aprovação, face à
possibilidade de financiar seus investimentos com recursos financeiros obtidos
em condições mais vantajosas dos que as linhas de crédito que lhe eram
disponibilizadas.
Vale lembrar que no caso da França, como no Brasil, os
instrumentos econômicos se somam, mas em caso nenhum substituem, aos instrumentos
de comando-e-controle (outorga, licenciamento ambiental, etc.). Neste contexto,
o mecanismo conjugado de cobrança e distribuição de subsídios pode ser
considerado como um facilitador para tornar economicamente viáveis os
investimentos necessários para cumprir uma legislação ambiental e de recursos
hídricos cada vez mais exigentes, visando ao alcance de metas de qualidade
ambiental e das águas, por meio de instrumentos comando-e-controle.
Além do aspecto econômico, a cobrança possui um papel pedagógico,
na medida em que explicita as consequências de uma determinada atividade sobre
os recursos hídricos. Assim, mesmo sem ser economicamente incitativa, a
cobrança pode promover uma tomada de consciência e constituir o ponto de
partida para uma mudança de atitude de usuários.
Pode ser sugerido que os usuários de água poderiam aceitar
impactos relevantes da cobrança quando fosse necessária uma ação conjunta dos usuários
de água da bacia voltada a melhorias das disponibilidades quantitativas ou
qualitativas de água, face à:
1.
Situação natural de escassez hídrica;
2.
Uso estrito dos instrumentos comando-e-controle - licenciamento e outorga de lançamento de
poluentes - voltado a assegurar o alcance das metas de qualidade estabelecidas
pelo enquadramento de corpos de água, resultando em restrições severas aos
lançamentos de poluentes nos corpos de água;
3.
Adoção pelos usuários de água de políticas de
responsabilidade social associadas a mecanismos de adesão voluntária, voltadas
a contribuir para as melhorias da bacia.
Obviamente, em conjunto com as situações 1 ou 2, deveria
estar evidente a impossibilidade de que recursos públicos a fundo perdido, como
é regra, fossem usados para os investimentos necessários para aumentar as
disponibilidades hídricas (situação 1) ou as possibilidades de lançamento de
poluentes (situação 2) , o que certamente exigirá mudanças culturais, que
também levam tempo.
Contestação à analogia entre Comitê de Bacia Hidrográfica e Condomínio Predial
Ao se aceitar as conclusões anteriores o leitor atento será
levado a contestar a analogia adotada desde os primórdios da implantação da
Política Nacional de Recursos Hídricos até hoje: a de que um Comitê de Bacia
Hidrográfica se assemelharia a um condomínio predial, e que a cobrança seria
análoga a uma taxa de condomínio, fixada pela deliberação conjunta dos
condôminos. Esta analogia um tanto simplista, reduz a alta complexidade das
questões tratadas em um Comitê e a imensa diferença de interesses que os
usuários de água apresentam face aos moradores de um mesmo condomínio predial.
Isto não seria tão grave se não levasse à crença de que um Comitê de Bacia
Hidrográfica, tal como um Condomínio, poderia deliberar valores significativos
de cobrança pelos usos de água face às demandas de investimento na bacia. Os
fatos contradizem esta hipótese esperançosa e, portanto, tanto no Brasil como
na França, esta analogia deve ser refutada, pelo bem dos avanços necessários
dos Sistemas de Gerenciamento de Recursos Hídricos.
Incidências da cobrança: captação, lançamento e consumo
Na França a cobrança tem sido realizada mais recentemente
sobre as captações e lançamentos de efluentes, eliminando a parcela de cobrança
pelo consumo que é usada nos mecanismos brasileiros, com exceção do mecanismo
adotado na bacia do rio Doce. Provavelmente esta decisão decorre da
complexidade de definição do que é consumo de água, que ocorre tanto no Brasil,
como deve também ter ocorrido na França, onde a simplificação dos mecanismos de
cobrança teve uma prioridade na reforma realizada.
É comum se ouvir afirmações de que a irrigação não consome
água, apenas a usa. A racionalidade é que a despeito dos grandes impactos que
este uso causa nos regimes hidrológicos, a água retorna ao ciclo hidrológico
seja por percolação/infiltração, seja por evapotranspiração, e que parcela
ínfima fica incorporada aos cultivos. Da mesma forma, as empresas de saneamento
muitas vezes alegam que suas perdas físicas de água, causadas por problemas de
estanqueidade das redes de abastecimento, retornam ao ciclo hidrológico por
percolação/infiltração e que este uso não deveria ser cobrado. Desta forma,
poderá ser concluído que a maioria dos usos de água é pouco consuntivo, sendo
que o consumo é apenas o que resta incorporado no processo de uso ou de
produção.
É necessário, porém, relativizar estas argumentações, pois,
em termos de gerenciamento de recursos hídricos, a questão relevante para fins
de cobrança seria avaliar as alterações no regime hidrológico natural e
necessidades correlatas de investimentos na bacia em obras para
disponibilização de água, em quantidade e qualidade. Importa, portanto, que
parcela da água captada retorna à bacia hidrográfica, e não ao ciclo
hidrológico. Cabe, também, para todos os usos, avaliar com que qualidade a água
retorna, para ser estabelecido o referencial de cobrança.
Existe também uma questão operacional que dificulta a
estimativa dos consumos, que no Brasil é realizada subtraindo-se as captações
dos lançamentos. Frequentemente, os usuários têm suas captações próprias, mas
os seus lançamentos são realizados na rede pública de esgotamento sanitário.
Isso acaba por caracterizá-los com lançamento nulo, o que levaria à estimativa
de consumo igual à captação, algo não correto. Outra dificuldade, dada a
questões de dominialidade de água no Brasil, dividida entre a União e as
unidades federadas, leva a se realizar um cálculo de proporcionalidade para
estimativa de consumo, para verificar a que parcela de água se deve aplicar a
cobrança nos moldes da legislação federal, e a que parcela se deve aplicar nos
moldes da estadual.
Por todos esses fatores, parece que os mecanismos franceses
são mais razoáveis e simplificadores, ao aplicar a cobrança à captação e ao
lançamento de água, fatores que realmente afetam o regime hidrológico
quali-quantitativo dos corpos hídricos, algo que não se aplica ao consumo de
água.
Cobrança do setor saneamento
A caracterização de uso de um bem público apenas pode ser
alcançada se for entendido que o lançamento de esgotos no meio hídrico
representa um uso de água, para diluição, afastamento e depuração. Nesse
sentido, o conceito de vazão de diluição[2] poderia ser útil para essa
definição, desde que possa ser compreendido pelo Comitê de Bacia Hidrográfica.
No entanto existe uma falha neste processo, pois nem todo esgoto produzido é
coletado no país – aliás, esta é uma das maiores carências brasileiras – e,
portanto, mesmo que a cobrança não seja incitativa, poderia haver um bônus
indevido às empresas de saneamento que tivessem menor índice de coleta. Isto
seria parcialmente compensado pela cobrança pelo consumo – se ela existir -,
pois, se não há lançamento, supõe-se que a água foi consumida, mesmo tendo ela
sido descartada em fossas ou no solo[3]. Porém, como a cobrança
pelo consumo é geralmente inferior à cobrança pelo lançamento, ficaria
consignado o bônus indevido às empresas de saneamento que promovam baixíssimo
índice de coleta de esgotos, o que vai na direção contrária aos anseios do
sistema.
Desta forma, ao ser cobrada a produção de esgotos,
contabilizada por usuário de água vinculado aos serviços de abastecimento
prestados por uma empresa, como na França, promove-se uma maior coerência ao
sistema de cobrança. Se o usuário será cobrado diretamente, na fatura emitida
pela empresa de saneamento, ou a empresa será cobrada pelo montante total
gerado pelos usuários, é uma questão operacional que pode ser discutida. A sua
estimativa deveria ser realizada, inevitavelmente, por índices, como geralmente
é realizado.
Tecnicamente, se a empresa repassar este ônus aos seus
clientes, explicitamente – ou seja, anotando os valores na conta de água e
esgotos – ou implicitamente - majorando as tarifas de água e esgotos - os
resultados serão os mesmos. A restrição que se pode apontar a esta sistemática
é que ao estimar os esgotos produzidos pelos consumidores de água potável por
índices genéricos, que são aproximações da realidade e, por isto, não estimulam
práticas que levem à menor produção de esgotos na fonte, até por ser difícil
equacionar a eficiência destas práticas. Porém, pode-se propor que os grandes
clientes das empresas de saneamento distintos dos residenciais, como
indústrias, comércio e empresas públicas, poderiam ter um esquema de estimativa
que avaliasse, se possível, a real geração de esgotos – factível no caso
industrial – ou por meio de índices que levassem em conta os bons usos e
conservação da água.
Bons usos e conservação da água
Esta é outra discrepância entre os sistemas francês e o
brasileiro de cobrança pelos usos da água. A não ser no caso dos usos
agropecuários, em que existe alguma espécie de subsídio às boas práticas,
entende-se na França que as boas práticas fazem com que seja reduzida a
cobrança, algo que garante automaticamente um bônus ao usuário de água.
No Brasil existe muita atenção a esses bônus, ou reduções de
cobrança, pelas boas práticas de uso e conservação de água. Não muito diferente
da França, os impactos da cobrança no Brasil são deliberadamente tão pequenos
que não são incitativos à adoção destas práticas. Ou seja, a redução do valor
cobrado em função de medidas de uso eficiente e conservativo das águas será
geralmente inferior ao custo de adoção destas medidas. Desta forma, suas
adoções por parte de um usuário somente serão economicamente viáveis, sob seu
ponto de vista, quando os benefícios além da redução da cobrança pelo uso de
água o justificarem. Por exemplo, quando envolve a adoção de uma tecnologia
mais eficiente de produção, no meio industrial especialmente. Ou quando, na
agricultura, podem ser reduzidas as tarifas de energia devido ao menor recalque
de água, por exemplo.
Aos usuários de água que exportam seus produtos poderão
existir barreiras extra-alfandegárias que estimulem a adoção de tecnologias
conservacionistas no mesmo nível daqueles exigidos pela legislação
comando-controle dos países importadores. E, finalmente, podem haver medidas de
uso eficiente da água adotadas voluntariamente por usuários com base em
premissas de responsabilidade social. Isto faz com que tais práticas entrem na
classe dos Mecanismos de Adesão Voluntária - MAV.
Por tudo isto, parece que, nesse sentido, a França adotou um
sistema mais realista: os bônus pela adoção de práticas conservativas são pouco
adotados, a não ser no meio rural e de forma não clara, agregados aos grandes
subsídios aportados ao setor por conta de políticas protecionistas. No Brasil,
o discurso de adoção destes bônus parece ser ou gerado pela falta de
conhecimento sobre a baixa efetividade que fatalmente terão – por não serem
suficientemente incitativos para promover mudanças de comportamento -, ou por
estratégias setoriais visando à redução dos valores cobrados, a despeito deles
serem fixados, de antemão, para serem de baixo impacto econômico e financeiro.
Na França, mais de que a cobrança, os programas de
intervenção das agências são os principais instrumentos para incentivar a
adoção de práticas conservativas. Além dos subsídios, o apoio técnico e
administrativo da Agência de Água é muitas vezes determinante. Tal apoio passa,
por exemplo, pela elaboração e difusão de documentos técnicos, pela organização
de discussões técnicas e seminários, pelo fomento à pesquisa, pelo conselho
direto aos usuários da água, pelo apoio na redação de termos de referência,
etc.
Desta forma, o que se entende como mais factível na situação
brasileira é que os usuários estariam propensos a realizar os investimentos nas
racionalizações de seus usos de água se esses valores forem considerados
contrapartidas à cobrança pelos usos de água, sob a justificativa de serem
aderentes a práticas de bom uso e conservação da água. Essas contrapartidas
reduziriam, em um mesmo montante dos investimentos realizados, os valores de cobrança
aplicáveis. Desta forma, seria consensuado que mais vale um sistema de cobrança
que estimule o usuário investir no seu próprio negócio buscando a
racionalização desejada do uso da água, do que onerá-lo com valores incitativos
de cobrança. Obviamente, seria necessário implementar um sistema de
acompanhamento / monitoramento da implementação dessas contrapartidas pela
Agência.
A argumentação do parágrafo acima poderá ser contestada por
teorias econômicas que apregoam que o usuário, tendo por base suas curvas de
custo marginal, estabeleceria o ponto ótimo em que estaria disposto a investir
na racionalização (abatimento da captação de água ou da poluição) e a partir do
qual pagaria pelo uso. Dentro de uma visão teórica do processo este raciocínio
é absolutamente correto. Na prática, porém, deve ser considerado que:
1.
Em boa parte dos casos o usuário não sabe com
exatidão a sua curva de custo marginal, até mesmo por que ela é alterada
permanentemente por flutuações nos preços dos insumos;
2.
O nível de tratamento de efluentes e, portanto,
o custo marginal de abatimento da poluição, é fixado mais pelas exigências do
licenciamento ambiental do que por considerações vinculadas ao princípio
poluidor-pagador;
3.
Para estabelecer o nível de captação de água os
custos de captação - incluindo tarifas pagas às concessionárias, quando for o
caso, e a tecnologia de processamento - são os fatores geralmente mais
relevantes para a decisão;
4.
Boa parte dos usuários de água tem receios
relacionados à destinação da arrecadação da cobrança, que vão desde
questionamentos sobre a racionalidade das decisões do Comitê e sobre a
eficiência operacional da Agência de Bacia em suas aplicações, até o receio de
que ocorram desvios na sua destinação contrariando as deliberações do Comitê
ou, mesmo, contingenciamentos.
Cobrança pela poluição
Um aspecto exemplar nos mecanismos franceses de cobrança
pelos usos da água é o grande número de parâmetros considerados para
qualificação dos efluentes, enquanto no Brasil, até o momento, adota-se tão
somente a Demanda Bioquímica de Oxigênio. Percebe-se no país intenções de
alargar o número de parâmetros, no mesmo sentido adotado pela França. A
consideração de parâmetros como Fósforo, Nitrogênio e Coliformes é fundamental,
devido a seu impacto nos recursos hídricos; para esses parâmetros, a modulação
da cobrança em função das características do meio receptor tem grande
importância para sua eficácia. Por exemplo, com o estabelecimento de cobrança
maior nas zonas com problemas de eutrofização na França.
Nos mecanismos de cobrança adotados no Brasil existe a
previsão de um coeficiente de lançamento Klanç que varia de acordo
com a classe de enquadramento dos corpos de água que poderia de alguma forma
penalizar os lançamentos onde a qualidade de água desejada é melhor. Contudo,
até o momento, o valor desse coeficiente é unitário para todas as classes,
perdendo-se esta possibilidade de diferenciação. Um passo adiante, além de
fazer variar o coeficiente Klanç, seria prever igualmente o aumento
desse coeficiente em trechos que se deseja controlar problemas de eutrofização
ou de contaminação fecal, por exemplo, seja qual for a classe de enquadramento
do trecho.
Outra diferença é que no Brasil cobra-se pela carga de DBO
efetivamente lançada, ou declarada, enquanto na França houve uma evolução que
sempre manteve distância deste critério brasileiro: inicialmente eram
consideradas as cargas lançadas no mês de maior lançamento; em seguida
passou-se a adotar uma média entre a carga média mensal e da carga do mês com
maior lançamento. Esse critério penaliza os usuários que apresentam maior
variabilidade nas emissões de poluentes, fazendo com que paguem adicionalmente
a metade da diferença entre a poluição mensal máxima e a média. Esse é um
critério interessante haja vista que os procedimentos para controle da poluição
devem ser dimensionados considerando as cargas máximas lançadas e por isto é
defensável que este valor máximo, de alguma forma, entre no computo dos valores
a serem cobrados.
Medição de fluxos
A metodologia de cobrança pode incentivar a instalação de
sistemas de medição dos fluxos de poluição nos efluentes. Na França, de modo
geral, os coeficientes por tipo de atividade foram calculados de maneira a
resultar em valores estimados sempre superiores aos valores reais de poluição
da atividade, constituindo um incentivo ao monitoramento dos efluentes.
Para aprimorar os mecanismos de cobrança, a
experiência francesa evidencia a importância do monitoramento dos efluentes e
da qualidade das águas superficiais e subterrâneas. Por meio do monitoramento,
a cobrança pode ser focada nos parâmetros que têm maior impacto nos recursos
hídricos.
O que existe de positivo na experiência brasileira?
Na próxima postagem será apresentada a resposta a esta pergunta, mostrando o que existe de relevante na experiência de cobrança brasileira pelo uso de água até o momento, matizando um pouco as críticas até aqui realizadas.
[1]
Esses chamados Mecanismos de Adesão Voluntária – MAV oferecem alternativas
interessantes ao melhor gerenciamento de recursos hídricos e serão mais bem
considerados adiante.
[2]
Neste conceito, vazão de diluição seria a vazão necessária para diluição do
efluente lançado por um agente até que atinja concentrações para todas as
substâncias nele contidas que estejam nos limites da classe de qualidade em que
o corpo hídrico estiver enquadrado; esta vazão de diluição seria, portanto, um proxy da carga lançada, para fins de
cobrança pela poluição hídrica, com a vantagem de ser expressa nas mesmas
unidades da vazão captada ou consumida.
[3]
Deve ser relembrado que, por definição, o volume de água consumido é dado pela
diferença entre o volume captado e o volume lançado.
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